sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O Assalto: O que fica quando não fica nada!

Segunda-feira, feriado de 02 de novembro de 2009, dia de finados. Acordei sem desconfiar que morreria por algum tempo hoje.

10:00h: despertador-> pálpebras lentas-> meus joelhos doem-> planos, planos, planos-> preguiça, preguiça, preguiça.
12:00h: coragem pra levantar-> banho-> textos-> almoço (o mais perto que pude chegar disso estando sozinha)- Jornal da tarde.
15:00: saio de casa.

Avenida silenciosa. Entro a primeira à direita-> primeira à esquerda, é o caminho de sempre até a casa do meu tio, sigo rindo sozinha no meio da rua ainda com as lembranças de Hermanoteu, passo em frente à padaria que está fechada e me lembra o feriado, penso nas chances de um assalto num dia assim, pensamento que é logo substituído por um equivocado “assaltantes não trabalham no feriado”, mesmo tentando me conformar com isso, não deixei de observar onde poderia me refugiar, constatei que o refúgio assim como o meu “assaltantes não trabalham no feriado”, não existiam. Não quero dar uma de profeta, mas naquele momento eu achava que algo de ruim aconteceria ali e logo o meu “acho” seria promovido.
Alguns passos e vejo uma bicicleta no final da rua, daquelas que sempre nos remetem ao suposto mal e nos obriga a segundos de oração suplicante seguida de um agradecimento aliviado.

-> A Bicicleta: Era escura modelo “barra circular”, no bagageiro tinha um caixote de plástico (desses de padaria que cabem uns 200 pães, sabe?); nela havia um jovem de estatura mediana, moreno escuro (não era negro, era moreno bem escuro), muito magro de boné e aparentando a idade de satanás mais ou menos (calma! Fui tomada pela emoção hehe). Corrigindo... aparentando entre 25 a 30 anos.
Observei desconfiada, ainda com a sensação ruim já relatada, mas continuei andando, ele veio em minha direção, ainda longe, mas pensei: é um trabalhador, deve estar vendendo pão já que hoje está tudo fechado. Logo após esse pensamento, que apesar de fazer muito sentido, não me convenceu. Vi que ele vinha lentamente e observava estrategicamente por baixo do braço se havia alguém por perto e esperava que os poucos carros passassem, nesse momento tive certeza do que aconteceria e me preparei pra isso. <-

Foram poucos segundos pra ele, pra mim era tempo suficiente para constituir uma família com filhos e netos. (Sabe o que me ocorreu agora? Será que pra ele é mesmo tão simples? Será que pra ele esses segundos não são também lentos e tensos como foram pra mim? Enfim, isso não me interessa.)
Posso ouvir o som do pedal arrastando no meio fio, foi a primeira coisa que ouvi antes de ouvi-lo dizer “olha!” ao mesmo tempo em que tirava uma arma da cintura, ele queria que eu visse e tivesse a exata dimensão do que acontecia e do perigo que corria, queria deixar claro que estava no comando, vi nitidamente o revólver e as balas. Desceu da bicicleta e veio pra cima de mim com a arma em punho (não me tocou), ele era o mal, foi o que vi quando olhei nos olhos dele, o mal numa postura ameaçadora que elevava seus ombros e queixo, como se aquele revólver não fosse suficientemente intimidador. Ele era mais baixo do que eu e quase se partiu pra se impor assim; por milésimos de segundos eu quase ri. Deve ter sido uma criança que sofreu muito com aquele físico esquelético, coitado, vejo a cena dos moleques xingando o pobre caquético. Tinha pernas muito fininhas, dessas que qualquer barra de ferro causaria fraturas múltiplas (a emoção de novo =P).

Enquanto se impunha, dizia a famosa frase que em relatos ou na ficção não se compara com ouvi-la em situação real, o tom é revoltante e agressivo, instala-se na sua cabeça e daí em diante repete-se infinita e incontroladamente: PASSA A BOLSA!
Nesse instante tudo está em câmera lenta, ele pesa toneladas e parece estar sobre você, não há como reagir, músculos imóveis.
Parece estranho, mas nesses segundos breves e longos, pensa-se em muita coisa, isso deve assemelhar-se aquela historia de que na morte iminente passa-se um filme na sua cabeça. Pensei em algo ao meu alcance que pudesse agredi-lo, pensei na idiotice que é reagir a um assalto (principalmente quando se tem certeza do poder de fogo do bandido), pensei em decorar tudo que estava vendo para relatar na delegacia e foi o que me restou, era a única opção segura. Por sinal, com o choque esqueci a maioria dos detalhes decorados.

Ah, um detalhe importante, enquanto subia em seu veículo super sônico ele olhou pra mim e singelamente perguntou “o celular ta aqui?”. Que pessoa competente né? Já pensou se ele chega em casa e tem que voltar pra pegar o celular comigo? Eu queria muito ter respondido “não, seu verme! Não ta na bolsa não, eu costumo levar o celular no nariz!”, mas pra minha sorte e possibilidade de estar escrevendo este texto agora, não disse o que tive muita vontade.

Quanto aos meus sentimentos? Alguns já devem ter ficado claros aqui. Nos momentos que antecederam o ocorrido me dividi entre conjecturas e dúvidas até a tensa certeza. Mas estava bem calma, nenhum batimento cardíaco anormal, nada que fugisse de mim; mesmo que ele passasse o dia comigo, estaria estável. Logo após, veio a raiva inevitável, um ódio que toma conta de você e sua mente não consegue por mais de 5 segundos sair das lembranças do que acabou de acontecer.

A primeira coisa a fazer agora é... ? Um B.O? Errado!
O que preciso mesmo é comprar uma arma, é isso! Se ele pode ter uma, porque eu não posso? Depois preciso ir a prefeitura “esculhambar” o prefeito, deixar bem claro (e alto) que esse absurdo é um absurdo. Depois disso eu posso exigir o comando da secretaria de segurança, mobilizar a população e a polícia para acabarmos com a criminalidade e ainda mandar fechar a favela e recuperar minhas coisas, ótima idéia. Preciso também do telefone daquele senhor que acabou com a criminalidade exorbitante em Nova Iorque.

Depois de todos esses pensamentos absolutamente viáveis, fiquei com o mais absurdo: o B.O. Após resolver fazer o boletim de ocorrência, tenho a ótima noticia de que a polícia civil está em greve e não há delegacia aberta. Nesse clima de revolta II, ligo pra PM pra mandarem uma viatura a mim pra que prestasse queixa, nesse tempo de 190, o moço da PM que me atendeu no telefone morria de rir do meu relato e pedia muitas desculpas por rir tanto, que sabia da seriedade do caso, mas que eu falava muito engraçado. Pode isso? O meu desespero era engraçado pra ele, talvez por eu dramatizar muito todo meu amor pelos bens materiais contidos na bolsa, mas era o que estava sentindo, como eu viveria sem minha maquiagem, celular, textos e projetos? E meu repelente? Isso era trágico demais pra mim. Depois de uma tarde de conversas (desesperadas pra mim, engraçadas pra ele), ele disse que me daria uma maquiagem de presente no natal, que eu não me preocupasse mais com isso (agora era minha vez de rir). Preciso voltar a ligar e dizer que não esqueci do meu presente que ele por mais de dez vezes prometeu. Ele bem que poderia ter me adicionado no Orkut, né? Não é difícil encontrar o meu nome lá. Ele não fez isso. =/

A essa altura, depois de falar com algumas pessoas, acreditava estar mais calma até que senti que não havia em mim energia pra nada, só uma coisa me interessava, acho que até mais do que encontrar minhas coisas, era ficar sozinha. Atualizei meu perfil no Orkut com frases tristes e solitárias e voltei pra casa. Fui pelo mesmo caminho que fiz na ida, passando pelo mesmíssimo lugar do assalto pra não adquirir mais um trauma, poucos minutos antes de chegar, senti meu primeiro flash de como aquilo não seria ruim pra minha vida, mas continuei revoltada, fui pro quarto, apaguei a luz e fui pensar em nada ou em qualquer coisa. Falei chateada com Deus, disse que não queria saber de nada, que Ele me deixasse longe dessa consciência de que estar viva é o que importa, não quero pensar nisso.

Quero voltar no tempo, ter uma arma, quero que esse homem morra, quero minhas coisas de volta, quero essa lembrança horrorosa e sem controle fora da minha cabeça. Também um carro blindado, capangas, seguranças e um fuzil, melhor, um míssil, não... uma bomba atômica, essa que é quase tão destrutiva quanto os meus pensamentos agora.
E em meio a essa confusão solitária o tempo foi passando, logo eram 6h da manhã e me arrumei pra dormir sem precisar recorrer ao calmante tarja preta que nunca tive coragem de tomar, mas nesse dia estava ao meu lado o tempo inteiro, ao meu alcance e com um copo de água. Rezei como uma criança que se esforça para abraçar o pai depois de um castigo, nesse momento já começava a sentir que esse assalto era algo grandioso na minha vida, então em meio a esses pensamentos e numa comovente reconciliação com Deus, adormeci.

Dia seguinte, claro que a primeira coisa que me veio à cabeça como um grande amigo, foi? Isso mesmo. Esses relâmpagos trágicos não me deixam em paz, mas já nos primeiros segundos conscientes do dia eu já dizia em alto e bom som: OBRIGADA POR TUDO, MEU DEUS!

E é aí que quero chegar é o que quero que leia com muita atenção porque é só o que faz sentido nesse texto, desprenda-se de doutrinas e aprenda com o que vou dizer agora:
É bem provável que muitas vezes numa situação difícil você já disse e ouviu: o importante é que você está vivo!
Mas é muito mais que isso, quero te dar a certeza de que há um Deus que nunca desampara você, não importa o que aconteça. Um Deus absoluto e poderoso que estava lá comigo o tempo inteiro e permitiu que tudo acontecesse. Sim, ele poderia ter impedido e FEZ isso inúmeras vezes, mas naquele dia ele tinha um propósito pra aquele assalto, um propósito muito maior que o meu trauma, prejuízos financeiros ou minha sensação de solidão.
Eu sorri satisfeita com a minha sensação de cuidado e plenitude de Deus, ainda estava perturbada, mas era uma sensação incrível de certeza do bem em seu estado maior.

Perdi minha maquiagem, mais de 200 reais de prejuízo só nisso, perdi o celular e na memória estavam muitos projetos e textos enormes que minha memória dificilmente me dará de volta mais de 50% deles. Mensagens sms valiosas pra mim, carteira com os documentos mais importantes e uma agenda gigante de números que me darão muito trabalho para recuperá-los, alguns provavelmente nunca mais terei.

Muitas vezes repeti as inteligentíssimas frases: se ficar sem o um celular eu morro! Se perder minha maquiagem pulo daqui (imagine lugares bem altos). Até que tudo isso aconteceu e adivinhem... ? Estou viva e com ossos intactos.

Depois de longo período de meditação, não conseguia sair do meu estado de graça, surpreendentemente eu estava feliz, feliz mesmo e com mais sensações surpreendentes pra mim: não me importava com o meu celular, não estava nem aí pra ele, nem pra minha maquiagem, nem pra mais nada que havia naquela bolsa. Eu agora estava livre desse apego idiota e maravilhada com isso, estava LEVE. Continuei agradecendo a Deus TUDO que Ele é pra mim, todos os propósitos que eu sei que Ele tem pra minha vida. Sei que tudo que estava lá me será dado de novo e superiormente, sei que além da recuperação material, tudo que tiver daqui pra frente será mais importante pra mim, o desapego é um bem que deve ser exercitado porque traz uma paz inexplicável, se você acha que não é possível pra você, creia que É, eu sou a maior prova de apego material que já existiu e estou bem melhor agora, não espere ser assaltada ou algo pior, exercite.

Não estou com isso dizendo que era a bruxa dos contos, não me tornei egoísta ou cruel com o meu materialismo, só estou dizendo o tanto que me incomodava um arranhão no celular ou derramar o perfume e o quanto isso é ridículo, ainda vou lamentar quando isso se repetir, mas sei que logo após posso rir e deixar pra lá e isso é o MÁXIMO pra mim.

Só escrevi e pensei o que tinha na minha bolsa porque fui capacitada divinamente pra isso, portanto, Ele me dará condições pra melhorar e superar tudo que havia ali.
Então, se isso me serviu muito, quero muito que você que faz parte da minha vida entenda que não há nada que pareça ruim que não tenha um propósito edificante pro mundo quando se tem o Deus que eu tenho.

Agora, alguns dias depois do fato, apesar do trauma, de não me maquiar pra sair, não ter um número de celular, algumas dificuldades mínimas enfrentadas com isso e o trauma que ainda me cerra os olhos, quero dizer que mesmo que você não entenda ou se assuste, acredite que: Estou muito feliz por ter sido assaltada!

Que o amor de Jesus Cristo tome conta de você e do seu coração como faz com o meu, Deus te abençoe abundantemente!

“Crê no Senhor Jesus e será salvo, tu e tua casa.” (Atos 16:31)